As iniciativas

Os projetos contemplados pela chamada MQVA

A chamada Meninas Que Vão Além (MQVA) envolveu 6 organizações das regiões centro-oeste, nordeste e sudeste nos estados do Maranhão, Paraná, Minas Gerais, Ceará, Bahia, Alagoas, Pernambuco, Goiás e São Paulo, além do Distrito Federal. Os projetos contemplados poderiam ser propostos em quatro áreas: formação, campanhas de comunicação, advocacy e materiais informativos. A seguir, informações resumidas sobre a atuação de cada organização.

1 – Associação Quilombola de Conceição das Crioulas (AQCC)

Fundada em 17 de julho de 2000, a AQCC tem como missão promover o desenvolvimento de Conceição das Crioulas, comunidade quilombola localizada no município de Salgueiro, a 550 km de Recife, e fortalecer a organização política, a identidade étnica, cultural e a luta pela causa quilombola. Para o MQVA, a AQCC desenvolveu o projeto “Franciscas, Marias e Dandaras: donas de seus destinos”. A iniciativa foi pensada para estimular o desenvolvimento de competências interpessoais como, habilidades de liderança e oratória, além de fortalecer a auto estima individual e coletiva, de pelo menos 30 alunas da escola José Mendes. Educadoras populares da comunidade lideraram a iniciativa, planejaram e executaram atividades como rodas de conversa, oficinas e seminários relacionados ao contexto de Conceição das Crioulas. As ações se basearam na pedagogia crioula, proposta de escola que, na visão da AQCC, se contrapõe ao modelo opressor e eurocêntrico vigente, e propõe uma forma de pensar a educação centrada no contexto da comunidade quilombola.

2 – Dandara no Cerrado

A organização, braço do movimento feminista negro, existe há mais de 20 anos com objetivo de fortalecer a luta pela construção de uma sociedade justa, plural, sem racismo e sexismo. No MQVA, retomaram a iniciativa “Investiga Menina!”, que incentiva meninas negras na escolha pelas carreiras das ciências exatas. A sua atuação ocorre em duas frentes: 1) acompanhamento pedagógico na escola com uma intervenção direta no currículo escolar; 2) e vivências interculturais, em que as estudantes conversam sobre os objetos de estudo de cientistas negras tanto do estado de Goiás, quanto de outras regiões do Brasil. O projeto foi criado em 2009, em parceria com o Coletivo Negro/a Tia Ciata, no Laboratório de Pesquisa em Educação Química e Inclusão (LPEQI) do Instituto de Química da Universidade Federal de Goiás (UFG) e o Colégio Estadual Solon Amaral (CESA), mas teve suas atividades interrompidas em razão da pandemia da covid-19. A chamada MQVA apoiou o retorno do grupo às salas de aula do CESA, que ao longo de 2022, ofereceu acompanhamento pedagógico semanal no turno regular, em parceria com as professoras das áreas de química, física, matemática e biologia. Além disso, promoveram encontros com 10 pesquisadoras em vivências interculturais.

3 – Elas no Poder

A organização iniciou seus trabalhos em 2018, a partir dos questionamentos das fundadoras a respeito do pouco espaço das mulheres na política brasileira. Atualmente, a #ElasNoPoder atua em 4 grandes áreas: formação política para mulheres, plataforma Impulsa, pesquisa, advocacy e mobilização social. Dentro desses eixos, a ONG já formou politicamente mais de 500 mulheres, oferece ferramentas para auxiliar na articulação de campanhas eleitorais de mulheres, realiza pesquisas de equidade eleitoral e cobra do poder público, políticas que favoreçam a equidade de gênero na sociedade. Para a chamada MQVA, a ong criou o projeto “Elas na Escola” com a temática: “Eu sou uma menina negra do agora e uma mulher negra no poder do futuro”. Com a intenção de atingir 50 meninas negras – incluindo indígenas e quilombolas – dos 8º e 9º anos do Ensino Fundamental, do Distrito Federal (DF), a iniciativa construiu um ciclo de formação com rodas de conversa, workshops e palestras com assuntos sobre o feminino, formação política, contato com lideranças negras, entre outras atividades, a fim de estimular o auto-reconhecimento das participantes como agentes de mudança social e política.

4 – Centro Cultural Luiz Freire (CCLF)

O CCLF é uma organização não-governamental que existe há 50 anos e atua no direito à educação, cultura e direito à comunicação. Com vasta atuação no sertão pernambucano, a organização está há cinco anos presente na cidade de Mirandiba (PE), tendo sido alçada a referência em educação quilombola e indígena. Está localizada no centro histórico da cidade de Olinda, sendo palco para diversas manifestações culturais e literárias. Para o MQVA, o CCLF criou o “Papo de Menina” com o objetivo de reunir 40 meninas, prioritariamente negras, dos 8º e 9º anos do Ensino Fundamental de escolas públicas do entorno do sítio histórico de Olinda (PE). A inclusão dos temas de saúde mental e autocuidado foi vista como fundamental pela organização no projeto. Para isso, contaram com o apoio de psicólogos que promoveram terapia comunitária para as meninas e realização de encaminhamentos necessários em casos específicos. A pedagogia da educação popular e a pedagogia feminista foram a espinha dorsal na criação das ações do projeto, tendo em vista serem abordagens que fazem uso da linguagem e diálogo como ponto de partida para a construção das aprendizagens e consideram as dimensões de gênero, raça e classe como estruturantes das desigualdades.

5 – Geledés – Instituto da Mulher Negra

A organização não governamental existe há 34 anos e surgiu no processo de redemocratização do país, com o intuito de assegurar a efetivação para o direito de cidadania. Se estabeleceu na sociedade civil pela luta por igualdade, dignidade e, principalmente, com foco nas políticas públicas buscando a garantia de direitos para mulheres e população negra. O projeto “Meninas Negras Vão Além” foi criado para o MQVA e busca colaborar para a permanência das meninas no sistema de ensino, a partir da metodologia de ação entre pares, pensando que “mulheres são as melhores protetoras de outras mulheres”. Dessa forma, foram selecionadas 18 guardiãs do projeto, meninas negras e não negras, mas sempre em situação de risco para o percurso educativo, que já estavam envolvidas em ações políticas e de comunicação. As guardiãs foram a ponte com outras meninas, totalizando 36 participantes. O programa de formação elaborado foi estruturado a partir dos seguintes eixos: Direito à educação; Desigualdades de gênero e raça na educação; Comunicação entre pares; Educomunicação para a produção de vídeos.

6 – Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as (ABPN)

A ABPN é uma associação civil, sem fins lucrativos, criada com a finalidade de promover o ensino, pesquisa e extensão acadêmico-científica sobre temas de interesse das populações negras do Brasil. Com atuação desde os anos 2000, a iniciativa consolidou-se como um dos órgãos fundamentais da rede de instituições que atuam no combate ao racismo, com vistas à formulação, implementação, monitoramento e avaliação de políticas públicas para uma sociedade justa e equânime. O “Minas Negras” foi o projeto contemplado no MQVA e concebido pelas pesquisadoras vinculadas à ABPN. Foi realizado simultaneamente em seis polos de educação, nos estados de Maranhão, Paraná, Minas Gerais, Ceará, Bahia e Alagoas. Os estados contam com um núcleo de pesquisa vinculado com pesquisadoras e pesquisadores que fazem parte da associação e que levaram o projeto para escolas públicas das regiões. O projeto foi dividido em duas fases: a primeira focou na temática de gênero e raça com toda a comunidade escolar, incluindo as direções das escolas e professoras. Na segunda, foram selecionadas 42 meninas negras dos 8º e 9º anos do Ensino Fundamental para participarem de rodas de conversa, entrevistas com mulheres, trabalhos em grupo, processos de escrita, entre outras iniciativas.

Encontros entre as organizações para o fortalecimento de conhecimentos

Com o objetivo de envolver e estimular as organizações para o compartilhamento de boas práticas, desafios, riscos, oportunidades e novas ideias, foram organizados três encontros entre outubro de 2022 e março de 2023.

O primeiro evento aconteceu online, no dia 27  de outubro e contou com a condução da advogada Amarílis Costa, além da presença de Juliana Barros e Rita Lima compondo a mesa redonda. Em dezembro, as organizações partiram para Olinda e se encontraram presencialmente pela primeira vez. O Centro de Cultura Luiz Freire (CCLF) foi o anfitrião do segundo evento sobre o engajamento local e as organizações de base. A conversa foi enriquecida pelas múltiplas experiências e perspectivas das organizações, tendo em vista a diversidade geográfica e as distintas formas de trabalhar as questões relacionadas a gênero, raça e educação. Em março de 2023, aconteceu o evento de encerramento, desta vez sediado pelo PretaHub, na cidade de São Paulo, as organizações debateram sobre os aprendizados proporcionados pelos projetos desenvolvidos durante a Chamada, além de compartilharem perspectivas de futuro. Foi um momento de profundas reflexões e trocas de experiências e anseios sobre os próximos passos, em que todas as participantes puderam falar sobre a prática e receber direcionamentos profissionais da Amarílis Costa.

Considerações finais

Um país de proporções continentais, como o Brasil, carrega contextos sócio-políticos heterogêneos e demanda políticas públicas capazes de abordar os desafios semelhantes vivenciados em todas as regiões brasileiras, bem como as particularidades de determinados grupos. Esta foi a principal reflexão promovida pelas seis organizações participantes da chamada “Meninas que Vão Além” ao relatarem as suas experiências na implementação de seus projetos.

Este acúmulo de semelhanças e diversidades revela que o enfrentamento ao racismo e às desigualdades de gênero necessita de ações amplas e transversalizadas por diferentes setores da sociedade. É fundamental fortalecer as organizações que se dedicam a combater estruturas racistas e estimular uma ação articulada que promova uma agenda de perspectiva global, nacional e local. Essa plataforma e o relatório festejam não apenas as seis organizações participantes que se dedicaram, e se dedicam, à promoção de equidade, mas todas as instituições e grupos que entendem estes temas como prioritários em sua linha de atuação para que seja possível construir uma sociedade mais justa.