Meninas que vão Além
Pelo direito a uma educação transformadora
A chamada Meninas Que Vão Além (MQVA)
O Meninas Que Vão Além é uma iniciativa do Programa UK-Brazil Skills for Prosperity, ou Programa de Cooperação entre Reino Unido e Brasil em Educação. O projeto faz parte de uma iniciativa do governo britânico presente em diferentes regiões do globo. A ação busca apoiar o crescimento inclusivo e a redução da pobreza por meio de parcerias com os países em setores como ambiente regulatório, infraestrutura, energia, finanças, educação e saúde. No Brasil, o programa tem as atenções voltadas às oportunidades para estudantes no acesso à educação de qualidade e ao Ensino da Língua Inglesa (ou ELT, sigla que vem da expressão English Language Teaching). O programa enfoca as escolas públicas de educação básica nos anos finais do ensino fundamental e tem como base uma estratégia de gênero e inclusão social (em Inglês “Gender and Social Inclusion”, ou apenas GSI). No Brasil, o programa é implementado por um consórcio de instituições com reconhecida experiência nas áreas de educação e inglês: Fundação Lemann, Nova Escola, Instituto Reúna e British Council.
“O Meninas que Vão Além se tornou uma oportunidade de abrir espaço para ouvir, pela voz das estudantes negras em fase escolar, seus desejos presentes e futuros para si e para a escola, assim como preocupações atravessadas pelo racismo cotidiano, mas também as potencialidades individuais e coletivas que são pulsantes na transição do Ensino Fundamental II para o Ensino Médio, que não devem ser ignoradas a despeito de um país ainda tão desigual, inclusive na aprendizagem. É crucial que possamos apoiar meninas e meninos do país em suas escolhas profissionais, mas antes disso, na construção, pela via educacional e pelo letramento racial e de gênero, de uma visão ampliada capaz de exercer criticidade sobre essas escolhas. De modo complementar, para as organizações do consórcio fica um enorme aprendizado do quanto é importante co-construir ações com quem já está nos territórios operando mudanças, seja pela via das políticas públicas ou não, como é o caso das ONGs que realizaram o trabalho na ponta. Precisamos somar forças para que o terceiro setor tenha a cara mais representativa possível do Brasil, já que é dos territórios que emergem as soluções mais potentes. Entendo que o Meninas que Vão Além, por ser um projeto pontual, não consegue responder com profundidade aos desafios educacionais relacionados às questões raciais e de gênero do país, mas nos deixa evidente caminhos possíveis de abordagem e aproximação, inclusive com aprendizados sobre sustentabilidade de projetos com este caráter.”
Janiele de Paula – Coordenadora do Programa UK-Brazil Skills for Prosperity
A chamada Meninas Que Vão Além foi pensada com o cuidado de priorizar os grupos em situação de desvantagem social, sobretudo mulheres e meninas negras, e fortalecer o trabalho de organizações da sociedade civil atuantes em territórios diversos. Com o intuito de incidir sobre as desigualdades que ainda persistem sobre as questões de gênero e raça, o programa parte da necessidade de ir além de avaliações quantitativas, estatísticas e métricas que, embora tenham a sua importância, acabam por esconder as desigualdades que o programa busca atingir. Ao fim da jornada, o programa apoiou seis organizações não governamentais, em diferentes regiões do país
A importância de pensar a Educação para além dos muros escolares
Pensar e executar projetos sobre igualdade de gênero na educação, exige um debate profundo sobre as causas que ainda impedem as mulheres de exercer a sua cidadania conforme previsto pelas leis nacionais e internacionais. Além disso, é fundamental que estejamos atentas às particularidades de cada território. O Brasil é um dos países entre as 10 maiores economias do mundo, sede de grandes empresas e grandes conquistas e que, ainda assim, deixa de entregar o básico a milhares de brasileiros e brasileiras.
É, sem dúvida, um país de contradições imensas, que devem ser consideradas por quem pretende desenvolver ações capazes de modificar a realidade. Ao mesmo tempo em que praticamente atingimos a meta do Plano Nacional de Educação de universalização de matrículas na educação básica, os estudos indicam consideráveis brechas entre estudantes brancos e estudantes negros, que são ainda mais aprofundadas quando colocamos a perspectiva de gênero em nossas análises. Mulheres apresentaram melhores indicadores educacionais, em todos os recortes raciais, mas ainda assim, não colhem ganhos reais no mundo do trabalho, sendo minoria em cargos de decisão e, mesmo quando conquistam lugares de liderança, os seus salários são mais baixos dos que os pares masculinos.
Desde o princípio, Meninas Que Vão Além, chamada desenvolvida pelo British Council por meio do programa UK-Brazil Skills for Prosperity, foi pensada com o cuidado de priorizar os grupos em situação de desvantagem social – sobretudo mulheres e meninas negras – e fortalecer o trabalho de organizações da sociedade civil atuantes em territórios diversos. Com o intuito de incidir sobre as desigualdades que ainda persistem sobre as questões de gênero e raça, sabíamos da necessidade de irmos além de avaliações quantitativas, estatísticas e métricas que, embora tenham a sua importância, acabam por esconder as desigualdades que de-sejamos atingir.
Portanto, é com bastante alegria e satisfação e, talvez, um pouco de tristeza, que chegamos ao fim dessa jornada tendo apoiado seis organizações não governamentais, em diferentes regiões do país, com projetos tão diferentes e ao mesmo tempo similares, que nos proporcionaram um conhecimento imenso, que só a prática é capaz de nos trazer. Apresentamos aqui este relatório com o objetivo de aprofundar um pouco do que foi pensado e feito, cientes da importância imensurável de apoiar e aprender com os trabalhos desenvolvidos pela sociedade civil em seus territórios.
CÍNTIA TOTH GONÇALVES
Gerente Sênior de Inglês, British Council no Brasil
O contexto da desigualdade brasileira
As desigualdades de gênero, raça e classe são estruturais e estruturantes de nossa sociedade e se destacam quando os assuntos são educação formal e mundo do trabalho. Dados do IBGE e do INEP/MEC indicam que o Brasil ainda tem um árduo caminho pela frente na efetivação das metas estabelecidas no Plano Nacional de Educação (PNE). Porém, é fundamental reconhecer e celebrar os avanços conquistados, tais como a Lei 10.639, sancionada em 2003 que inclui no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”; e a Lei 12.711/2012, conhecida popularmente como a “lei das cotas”, que permitiu que a presença de pessoas negras de 18 a 24 anos, dobrasse nas universidades entre 2011 e 2019, passando de 9% para 18%.
Apesar de alguns avanços, segundo dados do Anuário da Educação Brasileira (2021), entre jovens negras e negros de 16 anos, apenas 77,5% finalizam o 9º ano, índice expressivamente menor quando comparado a jovens brancas e brancos, que registram 87,3% de conclusão. O mesmo tipo de abismo também está presente no mudo do trabalho. Segundo levantamento da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) de 2022, a hora de trabalho de uma pessoa preta vale 40,2% menos que a de uma pessoa branca. A mesma pesquisa aponta que a diferença salarial é praticamente igual há 10 anos e que a falta de acesso à educação superior é um dos fatores que influenciam na diferença de renda.
Não se trata, porém, de mera relação de causalidade entre a obtenção de diploma universitário e a garantia de salários mais altos. Dados de estudo promovido pelo Pacto de Promoção da Equidade Racial (2021) revelam que, apesar do diploma de ensino superior ser um componente importante no mundo do trabalho brasileiro, gênero e raça são marcadores determinantes nos planos de carreira. A pesquisa demonstrou que no Brasil, o rendimento da mulher negra equivale a 81,6% do rendimento de um homem negro, e que, entre os 4% de pessoas negras que ocupam a liderança nas empresas no Brasil, apenas 0,4% são mulheres. Ou seja, mulheres negras ganham menos do que os homens brancos, homens negros e mulheres brancas.
Para atuar neste cenário e em suas interseccionalidades, a chamada “Meninas que Vão Além” uma iniciativa do British Council por meio do programa do governo britânico UK-Brazil Skills for Prosperity, foi direcionada para organizações não-governamentais e/ou sem fins lucrativos de todo o Brasil, cuja missão esteja vinculada à educação e a equidade de gênero e raça. Ao longo de 12 meses, seis instituições selecionadas desenvolveram ações com o objetivo de preparar meninas negras do 8º e 9º ano do ensino fundamental para escolhas conscientes sobre a continuidade dos estudos e a construção de uma carreira profissional.
A importância da abordagem interseccional
A interseccionalidade foi concebida a partir das elaborações de ativistas muheres negras que articularam as “perspectivas de raça, classe, gênero e sexualidade como sistemas de intersecção de poder”. Kimberlé Crenshaw, jurista estadunidense, propõe o uso do termo como uma metodologia para enfrentar as causas e os efeitos da violência contra a mulher, entendendo que as discriminações não são vivenciadas e nem devem ser analisadas de modo isolado, pois é através das intersecções que as respostas para superação das desigualdades são encontradas.
No Brasil, o indicador cor/raça era ignorado tanto nos documentos internacionais, quanto nas legislações brasileiras. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação, de 1996, por exemplo não trazia em seu texto nenhum dispositivo específico para a população negra brasileira o que foi revisto somente em 2003, com a Lei 10.639. Portanto, é essencial voltar esforços para as discriminações intragênero, compreendendo que meninas e mulheres são múltiplas, com características e acessos variados, que influenciam diretamente nas experiências e rendimentos escolares.
Ciente de que as desigualdades econômicas e sociais são oriundas de múltiplos fatores, a chamada “Meninas que Vão Além” concentrou esforços no apoio a projetos que estimulam estudantes das redes públicas, sobretudo meninas negras, a ocupar todos os espaços da sociedade. Para tanto, por meio de ações interseccionais e multidisciplinares, as organizações desenvolveram inúmeras atividades para debater as causas do racismo e estratégias de enfrentamento de práticas sociais que as prejudicam em suas escolhas acadêmicas e profissionais.